sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O gato

- Mimimimi - Meu pai tentava, tranquilamente, imitar um ruído felino pra atrair um gato que ele dizia estar do outro lado da rua.
- Cadê o gato, pai? - Perguntei curiosa, esperando que o gato se aproximasse, e que fosse pelo menos dócil o suficiente pra que eu pudesse pegar ele um pouco no colo (gosto mais de cachorros, mas a indiferença felina me atrai inexplicavelmente).
- Tá ali naquela grama, tu não enxerga, o carro tá na frente. - Meu pai respondeu, ainda tranquilamente.
Silêncio.
Dois minutos depois.
-
Pai, que cor é o gato? - Eu perguntei, num tom surpreendentemente desesperado.
- É preto filha. Por quê?
- MEU DEUS PAI! Hoje é sexta-feira TREZE. Sabe o que significa ver um gato PRETO numa sexta-feira treze?!
Num gesto estupidamente repentino, levantei o livro que eu estava lendo, de forma que ele cobrisse totalmente o meu rosto e me impedisse de ver sequer um pêlo, ou uma pulga que fosse, proveniente do gato.
- Me avisa a hora que ele sumir daí, pra eu poder abaixar o livro.
RISOS.

Coitado do gato.

Hoje é sexta-feira treze. Eu não estava pensando em postar nada, mas o episódio - que depois soou cômico - me inspirou pra divagar um pouco.

Eu fiquei tão desesperada com o fato de correr o risco de receber a sentença de anos de azar caso visse o gato – que não faz idéia do quanto foi odiado injustamente naquela hora – que parei pra pensar depois no quanto somos palermas e idiotas quando acreditamos nessas superstições mesquinhas. Quer dizer, eu não tenho tanta moral pra falar com toda essa convicção, já desviei milhares de vezes as escadas no meio do caminho pra não passar por baixo, já cuidei pra não quebrar espelhos – e que me lembre, nunca quebrei um -, já – a exemplo de hoje – temi os pobres gatos pretos na sexta-feira treze, e quem (por mais cético que seja) nunca temeu o tão famoso azar da sexta-feira treze? Mas que besteira acreditar que esses acontecimentos são mesmo capazes de mudar o cosmo a ponto de fazê-lo conspirar contra nós.

Num cotidiano em que somos sortudos se tivermos a oportunidade de sairmos de casa e voltarmos vivos, ou pelo menos inteiros, ou com a nossa bolsa, carteira ou tênis no lugar.

Num cotidiano em que somos sortudos se tivermos todas as refeições do dia completas o suficiente pra não ficarmos subnutridos.

Num cotidiano onde uma bala perdida – que tem ene possibilidades de direções pra seguir no ar – encontra como obstáculo justamente algum corpo humano, e pior ainda, um corpo inocente.

Num cotidiano em que somos sortudos em podermos estar vivos, ainda tem gente que se preocupa com esse negócio de temer eventos surreais que poderiam causar qualquer azar que fosse.

Quer dizer, azar nenhum se compara ao azar permanente a que estamos submetidos, desde o momento em que tiramos o pé da cama – melhor ainda, se tiramos o pé dela e não batemos o dedinho na sua própria quina.

Pra falar a verdade, acho que precisamos rever nossas superstições. Porque hoje em dia gato preto, escada nem espelho quebrado nenhum é, nem de longe, ameaça pra ninguém, já que ver qualquer pessoa – e de qualquer cor - na sexta-feira ou na segunda ou na terça-feira treze pode ser muito mais do que azar. Quando estamos rodeados de má fé, de violência, de impunidade e de medo, gato preto daqui uns dias vira é amuleto!


Espero que esse post não dê azar pra ninguém, porque eu comecei ele com a mão esquerda (apesar de isso ser inevitável, já que eu começo e termino tudo com ela!).


Ah, nada melhor do que terminar com um ‘boa sorte!’ :)





3 comentários:

Unknown disse...

Gostei, principalmente do começo huahua. Terminar o texto numa pagina de blog de cor preta e com a mão esquerda dá azar heim; huahuah

Unknown disse...

"azar nenhum se compara ao azar permanente a que estamos submetidos, desde o momento em que tiramos o pé da cama."

sensacionaalll

Rodrigo Faraco disse...

Olá menina conhecida e desconhecida ao mesmo tempo. Você escreve muito bem.

Gostei do texto. O começo é uma graça. Você passa doçura e consegue nos fazer enxergar a cena. Isso é uma característica de quem escreve crônicas, histórias do cotidiano. Adoro isso.

A reflexão que segue depois também mostra algo de doce e delicado, mas de maduro também.

Tudo de bom pra ti - tenho que lembrar de vir mais aqui.