domingo, 12 de outubro de 2008

Tributo à velha infância


Quando os brinquedos, as bonecas e as brincadeiras não representam nada além de lembranças (meigas lembranças!) e nostalgias.

Quando o chiclete de bola perdeu o gosto e o algodão doce não tem mais sabor de nuvem.

Quando o arranhão no joelho não passa com um colo de mãe, a dor de ouvido não sara com um chocolate, e o pior, quando as dores são muito mais interiores e não partem de um tombo de bicicleta.

Quando o Doug Funnie e o Fantástico mundo de Bob não são mais a programação de todas as manhãs.

Quando A Pequena Sereia virou tubarão, quando o sapatinho da Cinderela não serviu mais.

Quando a infância virou passado.

O balanço no quintal da casa da minha avó já não existe mais, talvez porque as crianças que por gerações se embalaram nele agora tenham tamanho e peso demais que as cordinhas não mais suportem; a velha bola de futebol que reunia a turminha na rua de casa agora diverte o cachorro, talvez porque os pés que um dia a chutaram hoje tenham perdido a inocência e adquirido força demais; a lousa que dava aulas de mentirinha para a minha irmã se perdeu, não sei se entre as velharias ou no tempo que correu depressa demais; a bicicleta cor-de-rosa de rodinhas agora enferrujada não carrega mais nenhuma menina moleca nem a derruba pelas ruas afora; o pega-pega já assumiu um sentido muito mais malicioso do que a velha brincadeira em que um corria atrás dos outros.

O tempo passou e eu não sou mais criança. Talvez até seja, mas é a vida que não me permite mais ser. As medidas aumentaram (tanto pra cima quanto pros lados!), o pé cresceu, comer doce agora engorda, chorar agora é muito mais que manha, dormir agora é muito mais que descanso, estudo agora é muito (e muito!) mais que responsabilidade.

A minha mãe, agora a mais de 300Km de distância, não vai acordar para me cobrir se as cobertas caírem no chão durante a noite, tampouco preparar um chá se uma dor de cabeça bater; o meu pai até me pega no colo, mas não agüenta por muito tempo; a minha irmã (ah, a minha caçulinha!) já quer ser independente e já tem tpm. E eu? Eu sinto saudades do tempo em que era legal ter um metro e meio.

Eu cresci, eu queria crescer. Mas é sempre assim, quando se é pequeno, se quer ser grande; quando se é grande, se quer voltar a ser pequeno. Tudo em vão, o tempo não respeita nada nem ninguém. Ele simplesmente passa.

E agora eu sou uma criança grande. Que, muitas vezes gostaria de voltar pro aconchego de casa, pro recreio do colégio, pro colo de mãe. Mas a vida não deixa, a implacável vida e o irredutível tempo, sempre a postos, me lembram de que a vida é feita pra ser degustada fase a fase e que, se a infância foi boa, que bom, virão boas lembranças.

Mas que a vida não me tire - quando eu sentir saudade – a inocência, a molecagem, a graça, o paladar para guloseimas, o melhor colo do mundo dos meus pais, as lágrimas bardosas e a peraltice que só uma criança pode ter. Que a vida me permita ser criança, mesmo que por alguns minutos, quando eu sentir vontade.

Passem os anos, venham as seriedades, mas que nunca esmoreça, dentro de nós, ♫ a nossa velha infância.


Hoje é dia das crianças e a saudade do tempo que eu era criança bateu agora, não sei se por causa do clima melancólico do fim de domingo ou por causa das repetições na televisão e na rua pela passagem desse dia. O fato é que bateu uma lembrança tão real agora que resolvi registrar, e eu queria chorar agora também, mas só se fosse no colo da minha mãe.


Beijos com sabor de pirulito :)



domingo, 5 de outubro de 2008

Não à Justificativa

Data propícia para um post: dia de Eleições.

Hoje eu acordei com a consciência leve. Leve porque não vou entrar na cabine de voto pra receber uma sentença de morte, não vou contribuir para a eleição de ninguém. Leve porque não precisarei desperdiçar – como muitos o consideram – o voto teclando branco ou nulo. Vou justificar. Se bem que justificar é o termo mais inadequado para a ocasião, de minha parte. Justificar o voto deveria ser chamado de Absolvição dos pecados ou Exercício de descarrego de consciência, ou então Ufa, dessa vez eu não vou ter culpa no cartório. Justificação é um processo digno de quem vota, de quem indica alguém pra ocupar um cargo. É mané, você votou no pilantra que está roubando tudo agora? Então é você quem tem que se justificar – justificar a sua escolha -, agora todo mundo está se lascando hein! O seu candidato se elegeu e não fez nada do prometido? Justifica então. O seu não se elegeu!? Que sorte, pelo menos você não corre o risco de levar culpa de nada, nem de ter que se justificar.

Não quero induzir ninguém a não votar, pelo contrário. Acredito sim, que há candidatos aptos, que ainda existam pessoas que cumprem com a palavra e que trazem a honestidade como virtude, esses, merecem um voto injustificável. Mas, infelizmente, o que se vê na política hoje, todo mundo já sabe: político corrupto já virou redundância.

Sem delongas – como diz o gaúcho, já que agora me assento nessas terras! -, senão o discurso vai começar a ficar moralista ou chato demais, só queria publicitar a minha experiência nas Eleições 2008, dizendo que eu me sinto muito bem com a minha “Justificativa”.

Aos patriotas de plantão, exponho minha admiração pela nação e pela minha cidade, estou abrindo mão do meu exercício de cidadania muito mais por uma questão física – ‘distancialmente’ falando – do que por uma questão política mesmo. Mas não hesito em dizer que me sinto unindo o útil ao agradável.

Espero, sinceramente, de quem for às urnas, que tenham olho clínico para enxergar os bons candidatos, àqueles dos quais os votos, posteriormente, não precisem ser justificados perante incompetência, incredibilidade ou qualquer outro motivo.

Boa sorte aos que votam. Boa sorte aos – bons – candidatos.

E que as justificativas não sejam necessárias no período pós eleições.


quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Procura-se gabarito

Sempre me perguntei pra que se vive, afinal. Quando eu era criança achava que eu vivia porque assim meus pais queriam. Me colocaram no mundo, me deram de comer, me compraram tiaras de cabelo que combinavam com o vestidinho. Me muniram de brinquedos e de alertas. O mínimo que eu podia fazer por eles era seguir respirando, acordando, passando fio dental, indo ao banheiro pelo menos depois de comer iogurte de ameixa.

Depois, quando eu era adolescente, achei que a gente vivia para gostar de alguém. Se tivesse ao menos um garoto bonitinho na escola, valia a pena acordar cedo. Se tivesse ao menos um garoto bonitinho no inglês, valia a pena abrir mão da sonequinha da tarde. Se tivesse ao menos um garoto bonitinho irmão de uma amiga, valia a pena encher o saco da minha mãe para dormir na casa da amiga. Só podia ser isso! Ou se vive pra estudar matemática? Geografia? Comer legumes? Não podia ser. A única coisa que podia ser, era viver pra sentir o coração disparar por qualquer garotinho bonitinho. De preferência um que tivesse cabelinho loiro ou covinhas na bochecha.
No final da adolescência, eu comecei a achar que se vivia pra ser alguém. Entrar na faculdade. Arrumar um emprego. Ser alguém. Entrei na faculdade com 2546486 anseios, inclusive o de ser alguém. Porque ser alguém não tem nada a ver com essa vontade desesperada de ser alguém. E continuei sem saber afinal para o que se vive. Porque a faculdade e o deslumbre com os primeiros dias de "minha-vida-de-responsabilidade" são espaços curtos demais para uma vida inteira. Não se vive exclusivamente pra isso. Também não se vive pra pegar trânsito, ter um chefe que tira uma vírgula sua e coloca em outro lugar só pra mostrar que é seu chefe. Não se vive pra bater cartão e fazer compras com Visa. Definitivamente não se vive pra isso. Vive-se para salvar as criancinhas, o planeta, os animaizinhos, os aposentados, as árvores, as praias, as formigas? Não, não se vive pra mudar o mundo, o bairro, meu quarto. Porque a gente não muda nem o jeito de escovar os dentes. Essa é a verdade.
Daí achei que vivemos para fazer o que gostamos e ponto final. Como se fosse uma missão para a qual Deus nos enviou. E a minha era escrever, escrever, escrever. Tudo. Eu vivia para ter sucesso nisso. Escrever, faculdade, sonhos, futuro. Mas pra quê? Pra quem?
Aí achei então que se vive para as pessoas. Se você tem dez pessoas de quem gosta muito, taí um motivo para se viver. E eu gostava mais ou menos disso: de dez pessoas. E vivia para isso. Para no final do dia tomar um mate com uma dessas pessoas e brindar o mistério que é não saber pra que se vive. E eu e minhas dez pessoas viveríamos bem até os últimos dias...Mas não é bem assim que funciona, vocês sabem. As pessoas casam, mudam de país, resolvem ficar chatas, resolvem te achar chata, resolvem não tomar mais mate. Infelizmente não se vive para as pessoas. E quanto mais os anos passam mais você descobre que as mil pessoas maravilhosas viram cem que viram dez que viram duas. E essas duas são insuportáveis, mas são as que sobraram. E você intercala as duas pra não se irritar em dobro.
Ahhh tudo é tão chato, não é mesmo? Foi então que descobri que talvez se viva para dormir. Uma cama gostosa, colchão bom, almofadas. Dormir, dormir, dormir. Para nunca mais pensar pra que se vive. E quem disse que dá certo? Eu sonhava toda noite que percorria o mundo atrás da mesma pergunta. E sonhava com velhos sábios, meus coleguinhas do primário, minha professora de História, meu avô, um rato morto, um assaltante, a novela das oito, sei lá. Eu percorria o mundo atrás da resposta. E acordava cansada e com mais sono. Esse negocio de dormir não resolve o problema de ninguém.
E segui procurando. Talvez a gente viva pra conhecer o mundo, pra andar numa motoquinha em Paris, pra ouvir todas as músicas lindas, pra ler todos os livros bons, pra pagar os pecados, pra dançar, pra quebrar o pau com todo mundo, pra ser superficial ou leve e adorar todo mundo como se fosse possível viver em paz aceitando todos e sendo aceita. Pra malhar a bunda, pra chorar num concerto no Teatro, pra comer um doce, pra ver o Wagner Moura com seu groovie , pra assistir “P.S. I love you”, pra cudar do meu bichinho de estimação, pra olhar ele pela última vez que nunca é a última vez e chorar pela última vez que nunca é a última vez. Tudo isso? Nada disso? E segui procurando.
Então pra que? Pra quem? Por que? Por que acordo todos os dias? Se eu sinto prazer em escrever é para que alguém leia. Alguém que certamente vai me magoar um dia. E vai embora. Se eu ganho dinheiro é para comprar coisas que um dia vão acabar. Se eu rezo é para ter uma paz que daqui a pouco vai embora. Tudo vai embora. Todos vão embora. Se tudo acaba, então, meu Deus, pra que se vive? Pra que?
E nessa de tanto perguntar e querer o real gabarito, não é que descobri. Eu acho, de verdade, do fundo da minha alma, que se vive única e exclusivamente para se viver. E afinal, que graça teria viver sem o inesperado, a incerteza e a curiosidade?